domingo, 17 de agosto de 2008

Primavera Sound 2008










O festival espanhol Estrella Damm Primavera Sound 2008 apresentou figuras conhecidas e muita tendência, confirmando sua proposta de levar ao público seu ecletismo, música independente, sem deixar de lado a presença de grandes nomes.




Por Mauricio Melo


PRIMAVERA SOUND 2008
Barcelona, Espanha

Mauricio Melo, texto e fotos

O início não oficial, ou seja, uma preliminar, teve lugar dia 24 de maio com shows em estações de metrô da cidade de Barcelona. Porém, somente na terça-feira 27 de maio é que o Portal Rock Press abriu seus trabalhos na pequena sala Sidecar com dois shows muito interessantes e distintos.

O primeiro da noite foi TWIN KRANES, um trio de Dublin que faz um rock eletrônico/psicodélico ou progressivo pop. Um guitarrista, um tecladista e o baterista/vocalista (apesar das músicas terem poucas ou nenhuma letra). Assim como suas raras palavras em suas canções o grupo é pouco comunicativo, simplesmente chegou, tocou e deixou o público boquiaberto. Em seguida veio VOICE OF THE SEVEN WOODS, outra atração do Reino Unido, que, ao contrário do show anterior, chegou ao palco com violão, banquinho e rodeado de pedais. Dava bases acústicas, ativava pedal, um solo e pedal, mais bases graves e ativava pedal novamente até formar uma parede sonora, dando a impressão de ter no palco vários músicos quando na verdade era um simples e tímido sujeito com sua aparência "vim tocar bossa", genial.

Na noite seguinte, foi a vez de conferir o indie pop do CLIENTELE, mais um grupo britânico que agradou, apesar do excesso de melancolia. Porém, quem mais agradou foi LA ORQUESTRA DEL CABALLO GANADOR, e foi perfeito para utilizar a velha frase "de onde menos se espera...". Sem firulas, sobem ao palco seis jovens com aparência universitária. Dois bateristas, dois guitarristas, um saxofonista e um maestro que logo de cara deu suas coordenadas, "quando eu levantar o braço esquerdo todos devem rir, podem rir da gente se quiserem", "braço direito e todos conversam", "dois braços e todo mundo sacode as chaves de casa que carregam no bolso" - já dá para imaginar o que foi o show? Parece piada mas é uma maçaroca sonora das boas, de qualidade, divertida, sem compromisso mas que só dá certo ao vivo, muito interessante.




Dia 1 - 29/5/2008 - Recinto Fòrum

Depois de imensas filas para conseguir entrar, foi o momento de começar a conferir o que de melhor poderia oferecer o festival, isso tendo em conta que seria impossível de cobrir todas as ofertas, 150 shows em três dias. Ainda sob luz de dia se apresentou no palco Vice Jägarmeister o trio nova-iorquino ENON, com sua proposta que mistura indie, noise, um acabamento punk e agradou em cheio, destaque para a baixista Toko Yasuda. Em seguida, no palco CD Drome, ERIC'S TRIP deu as cartas com seu pop noise dos anos noventa, após um período de separação que durou uma década [1996-2006] o quarteto fez um show básico, sólido e preencheu as expectativas de seu público.

Retornando ao Palco Vice Jägermeister, foi a vez de conferir BRITISH SEA POWER (foto), um quinteto britânico que, ao lançar seu primeiro álbum, The Decline of British Sea Power [2003], se tornou um dos favoritos da imprensa local. Atualmente apresentando Do You Like Rock Music [2008] fizeram um show perfeito e apesar do novo trabalho ser mais limpo o quarteto apresentou músicas de seu primeiro disco, com bastante post-punk. Das novas a mais marcante foi “No Lúcifer” e ao final do show o guitarrista surfou nos braços da galera após um stage dive. Saíram ovacionados do palco.

As 22h30 chegou o momento de conferir a primeira grande atração do festival no palco Rockdelux, o segundo maior do festival. O grupo de hip-hop PUBLIC ENEMY chega ao PS08 celebrando duas décadas de It Taks A Nation of Millions to Hold Us Back com uma versão mais modernizada, com guitarra, baixista e baterista, além do tradicional DJ e sua tropa militar que marcha no palco. O tempo parece não passar para Chuck D e Flavor Flav, muito fôlego e voz em perfeitas condições já desde cara com "Bring the Noise" e "Don't Believe the Hype". A única nota negativa do show foi a introdução que ficou por conta da dupla de DJs do Bomb Squad - teria funcionado perfeitamente se não durasse quase meia hora, o que cansou um pouco o público.

Na seqüência e no mesmo palco, entra o que, para muitos, era o grande nome do festival, PORTISHEAD. Doze anos depois de sua primeira e única apresentação em Barcelona e após uma década de mistério sobre seu fim (?!), o trio de Dublin supera as expectativas com seu show fantasmagórico, enquanto "Cowboys" e "Glory Box" eram apresentadas, no telão somente a silhueta distorcida de seus integrantes era exibida e de quebra teve até uma participação relâmpago de Chuck D na música "Machine Gun".


Depois, houve uma debandada generalizada do público e o local ficou praticamente vazio. Levando em conta que a apresentação seguinte seria do DE LA SOUL (foto), ficou a pergunta no ar: os nova-iorquinos deveriam ter se apresentado antes do Public Enemy e do Portishead, em outro palco ou em outro dia? Ficou explícito o desconforto de quem estava presente, tanto no público como no espaço reservado para imprensa de que aquilo não poderia estar acontecendo: lendas do hip-hop prestes a se apresentar para meia dúzia de gatos-pingados. Porém, logo que começou a dar as bases o DJ começou a anunciar que o De La Soul estava na área e como num desabafo perguntava onde estavam os fãs do Public e do Porti.


Resultado: subiram ao palco como se fosse o último show de suas vidas, dando o máximo e contagiando quem passava pelo local. Foi como se o hip-hop da paz ecoasse pelos cantos do recinto e buscasse um público que parecia ter esquecido de como era bom o show do trio. Em quinze minutos o local encheu, pessoas descalças dançando, felizes como se voltassem na máquina do tempo, voltaram a ser crianças, adolescentes e lembraram de uma época marcante. O De La Soul entrou no final do segundo tempo e virou um jogo que já estava praticamente perdido. Nota dez.

Quando a noite parecia finalmente terminada e muitos já tomavam o caminho de casa, um fenômeno parecia estar acontecendo. Às 2h30 da manhã havia uma marcha em massa em direção ao palco Vice, estavam todos indo fechar a noite (apesar de ainda rolarem outros shows) com VAMPIRE WEEKEND (foto), outro grupo nova-iorquino, considerado o boom atualmente pela imprensa norte-americana. Uma mistura de pop, uma pitada de punk, injetando espirais rítmicas africanas e cadências reggae fez todo mundo dançar apesar do pouco espaço livre, até as escadarias que dão acesso ao local estavam lotadas e o trio acabou eleito a grande revelação do festival na primeira noite.




Dia 2 - Recinto Fórum - 30/5/2008
IT'S NOT NOT abriu o dia no palco Vice. Grupo espanhol que mistura hardcore/punk/indie/pop fez um excelente show e com destaque total para seu frontman, que deu um show à parte. Pouco ficou no palco, passou a maior parte do tempo cantando e dançando na pista junto aos seus fãs.

Em seguida foi a vez da estréia do Palco Estrella Damm, considerado o maior do festival e quem teve a honra de cortar a fita foi o trio britânico THE CRIBS, que com apenas dois anos de estrada já gravou três discos, com participações de Lee Ranaldo (Sonic Youth), produção de Alex Kapranos (Franz Ferdinand). Ainda este ano entram em estúdio para gravar um EP com ninguém mais ninguém menos que Johnny Marr (The Smiths). Muito à vontade no palco, com seu rock simples e direto mataram a curiosidade de muitos presentes. Um show à altura do tempo de estrada e da pouca idade dos rapazes, muito bom, e se seguirem assim ainda vão dar muito o que falar.

De volta ao palco Vice, os suecos THE MARY ONETTES recém chegados de sua tour norte-americana, se declararam muito felizes por estar em Barcelona, tocando de frente para o mar em um lindo dia de sol. Com sua fusão de A-Ha e Jesus and Mary Chain, apresentaram um setlist recheado de boas músicas como "Lost", "Void", passeando pelo post-punk com "Under the Guillotine". Pra quem gosta das influências citadas é um prato cheio.

Abrindo o palco Rockdelux para este segundo dia, os escolhidos foram BISHOP ALLEN com seu pop/indie em estado puro. The Broken Strings, o segundo disco destes nova-iorquinos (New York invadiu o PS08) é simplesmente o antídoto para conter os excessos experimentais dos dias atuais. Com sua música leve e agradável, como em "Click Click Click", "Rain" e "Little Black Ache", o grupo dá a sensação de ter acontecido décadas atrás. O público prestigiou em massa o show dos rapazes e não saiu decepcionado.


Quase que atropelando um show no outro, no Estrella Damm já soavam os primeiros acordes dos SONICS (foto), talvez o grupo mais injustiçado da cena punk - já tocavam punk antes de Stooges, por exemplo, mas demoraram a receber o merecido reconhecimento. O PS08 lhes deu a oportunidade de demonstrar que ainda há tempo para reconhecê-los, oferecendo o maior palco do festival que estes senhores souberam aproveitar como se estivessem em casa, apresentando "Dirty Robber", "Louie Louie", "Have Love Will Travel", entre outros. Saíram ovacionados do palco, simplesmente emocionante.

THE BOB MOULD BAND, liderada pelo mítico Bob Mould, ex-líder do Hüsker Dü, título aliás de que não consegue se desvencilhar apesar de seus lindos trabalhos em carreira solo e com sua banda Sugar. A expectativa era grande e o palco não poderia ser melhor, CD Drome, o menor do festival e que talvez tenha dado um toque mais íntimo entre Mr. Mould e seus fãs. Apresentou um show à altura de sua brilhante carreira dividido em três partes: um show de uma hora, vinte minutos dedicados ao Sugar com músicas como "The Act We Act", "The Good Idea" e "Hoover Dam", outros vinte minutos (ou um pouco mais) de sua carreira solo, atualmente lançando o álbum District Lines e músicas como "Return to Dust", "Circles" e, na reta final, uma seqüência de Hüsker Dü como "Something I Learn Today" e "Never Talk to You Again", um simpático boa noite e uma apresentação inesquecível.

No palco All Tomorrow's Parties figurou o trio californiano AUTOLUX, com seu estilo indie/noise muito bem elaborado. Com apenas um único disco no mercado, o bom Future Perfect, apresentaram temas como "Robots in the Garden" e a indiscutível "Turnstile Blues".

Apresentados como a grande atração da noite, surgem no palco Estrella Damm os senhores do DEVO para confirmar de uma vez por todas seu posto na história da música. Vestidos a caráter, com seus uniformes amarelos que parecem ter saído de uma experiência na NASA, quase três décadas depois da aparição de Q: Are We Not Men? A: We Are Devo! e com mais de uma década sem lançar nenhum álbum de estúdio, não deixaram pedra sobre pedra ao apresentar temas como "Mongoloid" e "Whip It".


Parece mesmo que o palco Vice se tornou celeiro das revelações do festival. Na segunda noite foi a vez de A PLACE TO BURY STRANGERS (foto) confirmar presença. Autoproclamada a banda mais barulhenta de Nova York e deixando claras suas influências como Jesus and Mary Chain, my bloody valentine, Bauhaus e até The Cure, ainda que a lista de influências seja interminável, estrearam em Barcelona com um shoegaze espetacular e muito barulhento como era de se esperar.
Pouca luz no palco, muita distorção, voz praticamente oculta e um público vibrante. Combinação perfeita apesar do local não estar tão cheio quando na noite anterior quando Vampire Weekend se apresentou. Destaque para as músicas "Breath", "To Fix the Gash in Your Head", "I Know I'll See You" e "Never Going Down". Excelente.

Para finalizar o segundo dia, o palco Rockdelux ainda recebeu a visita de THE RUMBLE STRIPS com seu pop açucarado e muito bem tocado. Apesar do adiantado da hora (3h30 da manhã) o público até que compareceu em bom número para prestigiar o sopro de ar fresco dado por estes britânicos.




Dia 3 - Recinto Fórum - 31/5/2008

O terceiro e último dia do festival no recinto Fòrum ainda reservava bons nomes e algumas novidades, entre elas o grupo catalão MADEE. Mesmo já estando em seu quarto álbum e figurar em capas de revistas especializadas locais se apresentou no palco CD Drome, o menor do festival, porém fez um show de muita qualidade apresentando músicas de seu novo trabalho, L'antartica.

Mais adiante no Rockdelux e ainda sob luz do dia estava BUFFALO TOM (foto) representando os sobreviventes da época dourada do indie, lançando Three Easy Pieces. Depois de praticamente uma década em silêncio os americanos marcaram presença e confirmaram que não esqueceram a fórmula da boa música.


Logo após veio o que seria para muitos o show mais esperado da noite, DINOSAUR JR (foto). Assim como o Buffalo Tom ficaram uma década sem lançar disco. Tocaram na edição de 2006 do festival, um ano após sua reunião. Desta vez lançando Beyond, a expectativa era ainda maior. J. Mascis, Louw Barlow e Murph fizeram um bom show mas não correspondeu às expectativas.

Sem pausa para respirar entrava no palco All Tomorrow's Party o que seria o show da noite - mesmo que horas antes o quarteto de Seattle KINSKI tenha arrasado o local com seu estilo Sabbath, sobrecarregando distorção com riffs repetitivos e monolíticos. Todd Trainer, Bob Weston e Steve Albini retornaram ao festival três anos após testarem as estruturas do recinto Fòrum em uma atuação que ficou marcada na história do Primavera Sound. Com os intrumentos ligados e luzes apagadas Weston e Albini estavam a mercê do vampiresco baterista Trainer, que, de costas para a platéia, terminava tranquilamente de fumar.


Todos sabiam que ao arremessar a guimba do cigarro e pendurar sua jaqueta de couro com tachinhas ao lado da bateria a porrada ia comer e não deu outra, parecia um terremoto - era o anúncio de que o Shellac (foto) iniciava seus trabalhos. O lugar estava lotado e a grande sorte de quem chegou atrasado foram as rampas de acesso ao palco que eram em níveis mais altos do que a pista e dava tranquilamente para assistir o show independente da distância, ao centro já não cabia mais ninguém. A banda confirmou e superou as expectativas no show de lançamento do seu Excellent Italian Greyhound. Nota 10 e melhor da noite.




Primavera Sound aos parques - Parque Joan Miró - 01/6/2008

Os dias oficiais no Recinto Fórum terminaram na noite anterior, porém o festival ainda se estendeu e terminou oficialmente no domingo 1º de junho com alguns shows gratuitos no Parque Joan Miró. Boas bandas se apresentaram nestes dias, mereciam até estar entre os grupos escolhidos para os dias do Fòrum, porém alguns grupos, como os suecos TORPEDO (foto), tocaram neste dia por chegarem, digamos, "atrasados" na lista do festival.

No Joan Miró havia dois palcos, enquanto alguém ocupava um o outro era preparado para o show seguinte. Desta maneira, seis grupos se apresentaram entre quatro da tarde e oito da noite. EXTRAPERLO, LE PIANC, MANOS DE TOPO, APRIL'S FOOL DAY, THE RADIO DPT e o já citado e com destaque absoluto Torpedo. Com apenas um disco lançado (ainda inédito em alguns países, incluindo a Espanha) In The Assembly Line, este excelente grupo pop/rock/post apresentou material como "Time Machine", "In Assembly" e "Hospital". Se não fosse o atraso na chegada, Pontus, Andreas, Love, Martin e Erik estariam tranquilamente tocando nos palcos principais do festival. Felizes os que compareceram e tiveram a oportunidade de assistir um show de qualidade, sentados sob as palmeiras, sem gastar um centavo.


Mais fotos sobre o festival em www.flickr.com/photos/mauriciomelo






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