quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Du Baú - Agnostic Front entrevista (2010) - 25 Anos de Victim in Pain




Onde estávamos há vinte e cinco anos atrás ou antes disso?  Muitos de nós nem éramos nascidos, muitos outros crianças e alguns jovens com muitas idéias e projetos.  Nesta época quando se falava no ano 2000 logo se imaginava carros flutuantes, raios lasers para todos os lados e coisas do tipo.  Nem se cogitava o ano 2010, uma década após aquelas idéia futuristicas.  Muitos falavam do fim do mundo, outros em caos, guerras, pragas...  Em São Paulo o festival O Começo do Fim do Mundo já tinha dado seu start no final de 1982.  Em 1984 nosso país vivia o movimento Diretas Já e exatamente entre estas datas também surgia numa cidade e num país distante do nosso uma banda chamada Agnostic Front.  Que colocaria Nova Iorque em definitivo no mapa como uma das bandas pioneiras, senão a tal, a lançar um disco oficialmente por uma gravadora, a criar um estilo próprio a ser seguido, o hardcore.  Em 2009 o disco Victim in Pain completou 25 anos de idade e a civilização atual ainda parece padecer das mesmas "doenças", demonstrando sofrimento, dor, corrupção, opressão e exploração em diversos pontos do planeta.  Durante este tempo os nova iorquinos vem tentando passar mensagens concientizadoras a seu público, pregando união e força.  
Encontramos a banda no último mês de Abril e posteriormente durante o Hellfest e tivemos a oportunidade de conversar com os dois únicos membros originais existentes, Roger Miret e uma participação especial de Vinnie Stigma.  O papo foi bem claro sobre o passado, o futuro, gravadoras, novos estilos, novas tecnologias e falta de ambição da geração atual.
por Mauricio Melo 

Olhando 25 anos atrás, quando tudo começou com United Blood e Victim in Pain, o mundo, especialmente se tratando de música, não tinha a tecnologia de hoje.  Acreditam que a ideologia e o movimento hardcore poderia estar mais forte, mais bem posicionada, já que a nova geração tem tanto acesso a esta poderosa tecnologia?  Ou por se tratar de um movimento underground e totalmente independente o momento que vive é o suficiente?  

ROGER MIRET - Era um mundo totalmente diferente, nem existia telefone celular, ou se existia o acesso não era para todos.  O mesmo poderíamos dizer sobre a internet, ou seja, não existia já o acesso não era popular.  Era uma verdadeira busca para encontrar coisas que você realmente amava.  Trabalhavasse muito para conseguir informações, os discos da época, existiam poucas unidades, tinha que ir a determinadas lojas para conseguir o que realmente buscava.  
Nos dias atuais é tudo tão diferente, está tudo de mão beijada, tão fácil através da internet que já não tem graça.  Até as preocupações já não são as mesmas, estão todos em seus celulares e preocupados com outros valores.  
A geração atual tem mais acesso a tecnologia.  Tem acesso a mais informações do que gerações anteriores, tem infinitas razões para fazerem um movimento mais forte mas não o fazem porque se sentem mais felizes e ocupados em aparecer nas redes sociais.  Se você olhar para trás, para os anos cinquenta, ver toda a tecnologia que foi utilizada para eletrônicos, carros, qualidade de vida, etc, vê que a diferença é muito grande e o mesmo poderia ter sido utilizado para a música.  
Se você pesquisar sobre bandas, seus históricos e realmente encontrar o que busca, em que você está se envolvendo ou dedicando sua vida a uma paixão mas um monte de pessoas não fazem isto.  
Nós sabemos o que é isso, sabemos o que é descobrir música e se envolver com um movimento e uma paixão.  Sabemos o quanto foi difícil descobrir as bandas, ir aos shows e manter contato uns com os outros.  Hoje em dia é muito fácil, você apenas se torna um fã de qualquer coisa que esteja online e espera para que qualquer um te envie um correio eletrônico.  Nem dá tempo de curtir um disco ou aprender a cantar um refrão e o garoto já conseguiu outro disco para escutar, e assim vai.  Qual é o próximo?

Falando da comemoração do Victim in Pain.  Em Fevereiro aconteceu um show com a formação original na Bell House de Nova Iorque, como foi?  Houve algum registro oficial para um lançamento em cd ou dvd, uma edição especial?

RM - Atualmente já superamos os vinte e cinco anos, o disco foi lançado em 1984 e completou esta data em 2009 mas somente agora chegamos com a turnê de "comemoração" se é que podemos chamar assim.  Sim, em Fevereiro nos reunimos com a primeira formação, exceto Raybeez (baterista original e posteriormente vocalista do Warzone falecido em 1997), foi realmente muito bom estarmos juntos outra vez.  Adam Moochie, eu e Vinnie Stigma com Dave Jones na bateria substituindo Raybezz que foi o baterista de United Blood mas claro em um momento de nossa carreira e no início de tudo, tocamos juntos com esta formação e Rob Kabula tocou no Victim in Pain conosco e também participou do evento.  
Gravamos em video, em principio para arquivos pessoais mas poder ser produzido num futuro documentário sobre a história da banda.  Será lançado em breve, ironicamente na internet (risos). 


Igualmente não passou pela cabeça fazer algo semelhante ao que fez o Sick of it All com um tributo de bandas convidadas ou até mesmo uma regravação ao vivo de estúdio para adicionar a gravação original?

RM - Somos o que somos, nunca pensamos em regravar algo ou fazer como fizeram outras bandas com seus tributos.  O que foi feito já entrou para história e serviu para colocar Nova Iorque no mapa, Victim in Pain foi o primeiro disco de uma banda hardcore de Nova Iorque a surgir no "mapa".  Acho que foi o suficiente e ninguém necessita fazer covers para celebrar isto, já tem história o suficiente.  

Uma das músicas mais celebradas da banda quando retornou na segunda metade dos anos noventa foi Police State que deixava claro, a insatisfação com o prefeito da época, Rudy Giuliani.  Após os ataques de 11 de Setembro, há quase uma década, Rudy se tornou para muitos um dos simbolos da reconstrução da cidade.  
Olhando para trás, o AF tem outra opinião sobre este personagem ou aquela imagem do prefeito lutador, nascido no Brooklyn que queria reconstruir a cidade foi mais um produto a ser vendido?

RM - Vou te dizer algo sobre este cara, é um ninguém.  Ele destruiu Nova Iorque, ele destruiu a meca de Nova Iorque e o sentido da cidade.  Destruiu a quadragésima segunda avenida e todas as coisas que faziam parte da cultura da cidade.  Toda cidade, seja ela boa ou ruim, rica ou pobre, tem o seu mundo underground, isso existe e vai existir em todos os lugares e Nova Iorque também se tornou famosa por isso.  Prostituição, traficantes, máfia, tudo foi destruido.  Antes dos ataques de 11 de Setembro a carreira dele era um escandalo, um lixo.  Traía sua mulher, era doente, estava ladeira abaixo.  Ninguém gostava dele e da maneira como administrava a cidade.  Os prédios vieram abaixo e ele se tornou um herói, tirou proveito da desgraça para levantar sua carreira e claro que vendeu a imagem de bom político.  Se você seguir a carreira dele e tudo que ele fez o resumo está aí, não foi nenhuma novidade.  Até hoje estou surpreso por ele não ter sido morto pela máfia, acredito (opinião particular) que ele tem envolvimento com a máfia por ser de origem italiana, seus pais eram filhos de imigrantes italianos.  Ele se meteu com as cinco famílias mais poderosas do mundo e ninguém o matou, tenho certeza que tem a proteção de uma delas, esta é a minha teoria.  

Em uma antiga entrevista para uma revista brasileira, você comentou que por ser cubano prefere não falar dos políticos Americanos, ainda que discorde dos sistemas apresentados pelos mesmos.  Desde a Primavera de 2003 que Cuba tem o caso da Primavera Negra de Cuba com presos políticos da oposição.  A situação se agravou recentemente pelos casos de greve de fome de Orlando Zapata Tamayo (morto) e Guillermo Fariñas que envolveu até o presidente brasileiro numa confusão por comparar presos políticos com criminosos.  Como você ve tudo isto?

RM - Não acompanho de perto estes fatos.  Minha família se refugiou na América quando eu era criança por discordar do regime daquele país.  Quando você faz isso, tenta se distanciar de coisas assim.  Quer que seus filhos tenham a livre escolha de crescer numa vida diferente, melhor e como decidirem.  Não tivemos esta divisão, éramos assim e agora nos tornamos isto.  Chegamos na América e seguimos em frente.  Foi assim com todo mundo, Irlandeses, Italianos, você mesmo é brasileiro e vive aqui.  Existe uma razão para uma mudança.  Não tenho contato com pessoas apesar de parte de minha família ainda estar por lá, na verdade nem os conheço, cresci em Nova Iorque.      

Você acredita que se um dia o governo Castro cair, Cuba pode ser "devastada" pela comercialização e perder sua identidade cultural como muitos comentam?

RM - Talvez, pode acontecer.  É uma ilha bonita mas dizem que os alemães sairam na frente nas negociações e não os americanos como muitos pensam.  Assim que Fidel se for as coisas começam a mudar, espero.  
Agnostic Front @ Estraperlo Club del Ritme 2010
Na década de 80 praticamente não havia rivalidade entre metal e punks.  Já nos anos noventa muita coisa mudou.  Atualmente vemos uma tour que une Agnostic Front com This is Hell e A Call to Preserve e um público que mistura metal, punk, skinheads e straight-edges.  Podemos considerar um público mais unido em definitivo?

RM - Tenho que acreditar que sim porque é disso que falamos e aconselhamos em nossas apresentações, de união.  Queremos pessoas unidas a um único objetivo    

Ao mesmo tempo, há muitos anos e que nos dias atuais a rivalidade já não está entre etnias ou grupos e sim de quem é mais hardcore do que outros, como uma disputa interna, é mais ou menos por aí?

RM - Hatebreed por exemplo é uma banda que vem de verdadeiras raízes hardcore.  Tocam uma música extremamente pesada e agressiva com intensões e sentimentos hardcore, é definitivamente uma banda do estilo.  Independente de terem patrocínio ou não, os vejo como uma verdadeira banda hardcore.  Sobre quem quer ser mais do que outros, simplesmente não dou a mínima para isto.  Se as pessoas te criticam por isso ou por aquilo, quero saber quem vai estar metido nisto para sempre?  Daqui a dez anos, onde estaremos?  Não dou a mínima para este tipo de opinião, vem de pessoas que surgem temporariamente, não produzem nada além de falar besteira.  Nos dias atuais é muito fácil criar polêmica e não mostrar a cara.   Todos sabemos quem é quem, os verdadeiros e os falsos.  Bandas como Agnostic Front, Sick of it All, Madball, Hatebreed e Terror por exemplo estmos demonstrando isto há mais de dez anos, ou melhor, mais de 25 anos como é o nosso caso com Victim in Pain, alguns por 15 anos.  Isto é nossa vida, é o que acreditamos.  Para ser sincero nem perco meu tempo com este tipo de crítica, dedico toda minha atenção a quem quer somar algo, aos que querem apoiar e trabalhar comigo, se não for para somar nem perco meu tempo com ignorantes porque existem muitos por aí.  

Falando em Straight-Edges:  Mais de uma década atrás eram completamente rejeitados por parte do movimento hardcore, buscando ter seu próprio público e identidade.  Atualmente bem aceito em todos os gêneros.  Você acredita que a geração Emo-Core passará pelo mesmo calvário ou esta não tem solução?

RM - O Straight Edge vem atuando há muito, muito tempo e estão totalmente integrados ao movimento, porque o que fazem é algo positivo.  Com relação aos "emos" acredito que futuramente também serão aceitos até porque a própria história mostra isso.  As pessoas falam sobre o metal-core como se fosse uma novidade mas quem leva tempo na estrada sabe que não há novidade nisto.  Corrosion of Conformity, D.R.I., Agnostic Front e Cro-Mags por exemplo vem fazendo metal com hardcore há anos.  Tenho revistas em casa de 1987 onde as pessoas citavam o crossover e o hardcore como um tipo de metal-core.  O estilo Emo para mim é a mesma coisa que o indie-rock que existia nos anos 80, são músicas aceitáveis em radios universitárias (college radios) que posteriormente virou grande sensação.  Este movimento atual é a mesma coisa, simplesmente não querem chamar de indie-rock para poder criar uma novidade no mercado.  Você não quer chamar de crossover novamente e sim de metal-core, algo novo e fresco no mercado mas só muda a embalagem, o conteúdo é o mesmo.  O mercado necessida de novos nomes, definições para se sentir renovado, é assim que vejo, como um movimento criado pelas gravadoras independentes, algo aceitável, que toca nas universidades até que as bandas cresçam.  


Em 1992 o Agnostic Front lançou "Last Warning" que marcava uma despedida do palco naquele momento e por um tempo indeterminado, o que realmente aconteceu na época?

RM - Oficialmente queríamos um descanso.  Queria dedicarme a família, estava com criança pequena em casa e quería dedicar-me a eles.  Andava muito ocupado em turnês tantando salvar o mundo (risos) e decidi que era tempo de parar.  Além da família queria terminar meus estudos e assim foi.  Quando minha filha já tinha uns sete anos de idade perguntei a ela se podia voltar aos microfones e ela disse que sim, aqui estou.  Não saímos em turnê como antes de ficar meses fora de casa, passamos umas semanas e retornamos a casa.  Desta vez é a primeira após muito tempo que ficamos um mês longe de casa, e atualmente tenho outros dois filhos pequenos.  

Dos grandes nomes do hardcore, talvez o Agnostic Front tenha sido um dos poucos a não trabalhar em uma grande gravadora, talvez agora com a Nuclear Blast podemos dizer que sim.  Mas nunca como fez o Biohazard ou Sick of it All por exemplo que trabalharam com Warner, Atlantic ou Elektra.  Esta experiência o AF nunca quis viver ou não teve a oportunidade de vive-la?

RM - Isto não é pra gente meu amigo.  Nós não merecemos estas gravadoras.  Nossa música não é para eles e a recíproca é verdadeira.  Agnostic Front foi uma das primeiras bandas hardcore a assinar com uma gravadora na América.  Digo, em Nova Iorque com a Combat e na época foi um grande negócio mas era uma gravadora independente, e nós acreditamos na cena independente.  Não acreditamos nas gravadoras comerciais, não seria uma boa casa para nós.  Sabemos exatamente qual será o final da história e o resultado, aconteceram com outras bandas antes então porque temos que passar por isso se já sabemos os resultados?  Rancid é uma das bandas que gosto e que passou por este processo.  

E a Dirty Devil, o que era, uma marca de roupa?

RM - A Dirty Devil já não trabalho mais com ela.  Agora estou criando a American Made Kustom, uma outra marca de roupa e acessórios voltada para o público rock, punk rock, hardcore em geral.  Começa a funcionar em Maio.

Já na reta final de nossa entrevista o lendário guitarrista, talvez o mais verdadeiro dos guitarristas de todo movimento hardcore, chega para trocar umas palavras.  Uma grande pena que com o tempo já esgotado não pudemos tirar mais proveito deste encontro mas não vamos deixar por menos.  Poucas palavras de uma lenda valem muito.  O leitor que escuta alguma música do Agnostic Front e sabe que Stigma não é nenhum mestre das seis cordas deve estar perguntando o porque de Stigma ser chamado por todos de lenda.  De nada adiantaria ser um mestre em seu instrumento e não ter orgulho de seu estilo de vida, além de respeitar e ser respeitado por todos, desde membros de outros grupos (hardcore ou não) como ser respeitado do maior patrimonio que uma banda pode ter, seu próprio público.  
Vinnie é carismático, humilde e acima de tudo profissional.  Aqui nos revelou em poucas palavras como andam seus projetos como sua loja de tatuagens em Nova Iorque, sua outra banda que leva seu nome.  Além de deixar escapar algo sobre novo material do Agnostic Front nos revelou também o sentimento da amizade com Roger Miret quando este saiu para tomar um café.  


Invasão de Stigma:
Como está o estúdio de tatuagens, New York Hardcore Tattoos?
STIGMA - Perfeito, funciona muito bem.  

Seu projeto paralero, Stigma, quando lança trabalho novo ou sai em turnê?

STIGMA - O projeto vai bem, para ser sincero está parado no momento é claro, porque também participa Mike Galo e agora estamos com o Agnostic.  No fim de Novembro começamos a gravar novo material do Agnostic Front e após isso dou um descanço e começo a pensar no Stigma, não tenho pressa.  Enquanto isso gravamos algum clipe ou algo, sem grandes ambições. 

Como descrever sua amizade, se é que podemos chamar assim toda esta conexão que você tem com Roger Miret?

STIGMA - Fui mal casado com ele (risos), estou brincando.  As vezes acho que não tenho outra pessoa que não seja Roger.  Quando meu filho nasceu ele estava presente.  No falecimento de minha mãe também, ele é meu irmão, já é um relacionamento que supera o companheirismo de estar numa banda e todas as coisas que acontecem na vida.  Minha amizade com Roger vai muito além dos palcos. 

Agora, com o fim do CBGB o prego foi aposentado?  (Vinnie possui um prego há quase trinta anos que servia de cabide para seus pertences no antigo clube nova iorquino)

STIGMA - Tenho o prego comigo, roubei de Jesus Cristo (risos).  Já não posso pendurá-lo no clube então fica simbolicamente em casa.  

Como foi For my Family Tour ano passado pela América do Sul?

STIGMA - Foi incrível estar com Madball nesta turnê, esperamos retornar em breve a América do Sul e ao Brasil.   

E o que houve com este show do Hellfest, a banda só tocou vinte minutos?

STIGMA - Tivemos um problema com nosso baterista, que está no hospital agora mesmo se recuperando de uma infecção.  Portanto o baterista do Born From Pain quebrou um galho pra gente, não podíamos cancelar de último minuto e deixar todos esperando.




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