quinta-feira, 5 de junho de 2014

Primavera Sound 2014


Primavera Sound 2014.    Se melhorar, estraga!

Texto: Ana Paula Soares e Mauricio Melo
Fotos: Mauricio Melo



Todo crescimento no mundo musical é visto sob o olhar crítico e desconfiado de um público mais seleto e que, habitualmente, passa desapercebido da grande massa.  É aí o ponto onde pecados são cometidos, entre crescer para um grande público e perder qualidade de velhos admiradores.  Isso ainda não acontece no versão espanhola do festival Primavera Sound mas um descuido e muita coisa pode vir abaixo. 

Uma boa prova do mencionado acima se reflete e comprova em números, um festival que tem como perfil a música independente e alternativa, albergou algo em torno os 190.000 pessoas nos três dias principais no Parc del Fòrum, sem contarmos com atividades extras e shows gratuitos como workshops de música, palcos espalhados pela cidade com apresentações gratuitas, shows em bares, estações de metrô... Um ser humano, por mais saudável que seja não consegue cobrir tudo e muita coisa boa passa desapercebido.  Dá a sensação de desperdício ainda que nos sintamos culturalmente alimentados.

Chuva



Quarta-Feira 28/05/2014

Assim que, já tendo desperdiçado algumas apresentações ao longo da semana, iniciamos nossas atividades na tarde de quarta-feira com duas apresentações de bandas brasileiras, os paulistas do Single Parents e os goianos Black Drawing Chalks no pequeno teatro La Seca Espai Brossa.  Os dois quartetos em questão ofereceram um som que surpreendeu parte do público não tupiniquim, presente no recinto.  O Single Parents tem uma proposta bem mais shoegaze, com influencias nítidas de Sonic Youth o que agrada em cheio o público primaveral e é o tipo de banda que responde o que parte do público no Brasil pergunta, nosso país não fabrica este estilo de música?  O mesmo podemos aplicar para o Black Drawing Chalks.  Rockão recheado de guitarras, com o baixista Denis de Castro dando um show a parte, bicho solto com instrumento em punho e ótima opção para a chuvosa tarde.

Single Parents
Black Drawing Chalks

Por falar nela (a chuva), mal podíamos imaginar o que nos esperava quando deixamos nosso coberto teatro e seguimos rumo ao dia gratuito do festival para conferir os britânicos do Temples.  Sabíamos que um dia a chuva acertaria em cheio ao evento.  Já havia batido na trave diversas vezes mas desta vez o alvo estava calibrado.  Parecia até piada que a banda em questão estivesse apresentando seu tão elogiado disco, entitulado Sun Structures (Estruturas Solares),  seria o local ideal diante das reais estruturas solares do local porém nem mesmo a boa apresentação e a execução da música titulo serviu como simpatia para amenizar a quantidade de agua que caiu quando o quarteto anunciou sua última música, uma verdadeira enxurrada somada a um bom vento obrigou ao púbico a buscar abrigo e abandonar a pista antes do final da apresentação, as calhas do palco se transformaram em verdadeiras cachoeiras o que atrasou o show de Stromae.

O belga fez a festa do povão que curte um som mais pop, deu um show à parte, pouco se importou com o as poças no palco e requebrou o esqueleto com “Alors on Danse” e “Papaoutai”.   Okay, podem torcer no nariz mas o fenômeno é evidente e no momento, imparável. 

Stromae
Temples


Quinta-feira 29/05/2014

Vamos ao que verdadeiramente interessa, a primeira jornada oficial do festival e para tal acontecimento, sob um potente sol se encontrava no palco Adidas Originals o Móveis Coloniais de Acajú num animado e competente show, tendo como figura principal o vocalista André Gonzales.  Mesmo com um injusto horário (18:00) havia um considerável público para curtir o som dos brasileiros, com direito a uma convidada no palco para a interpretação de “Amor é Tradução” e músicos tocando na pista.   Já na correria e muitos metros adiante chegamos a tempo de conferir os americanos do Real Estate no palco Heineken, que flertaram entre canções agradabilíssimas e momentos de bocejo mas nada que tirasse o mérito de canções como “Head To Hear” e “Talking Backwards” do recém lançado Atlas.  Quando escrevemos na correria e metros adiante significa que a distancia entre os palcos mais distantes, ou seja, as duas extremidades do evento é de 1,5 quilômetros, no final do dia dava fácil entre 10 e 15 km percorridos, haja fôlego. 

Móveis Coloniais de Acajú


E para poupar fôlego fincamos pé no  mesmo palco para na sequencia encarar as meninas do Warpaint e seu art-pop-rock-atmosférico também lançando disco.  Para os fãs do Joy Division que não conseguiram sequer chegar perto de uma apresentação da banda, ou seja, a grande maioria, assistir a Peter Hook and the Light tocando na integra Unknown Pleasures com direito a “Ceremony” do New Order, acompanhado de seu filho no palco é algo que não se pode pedir mais considerando que o relacionamento com os antigos integrantes de Joy e New Order já não é dos melhores e a possibilidade de vê-los num projeto como esse é reduzida.   O palco desta apresentação foi uma das novidades oferecidas pelo festival e se chamava Heineken Hidden Stage, ou seja, um palco escondido, numa bat-caverna, pequeno, íntimo e uma verdadeira sauna o que fez com que a invasão britânica nos fizesse sentir em um verdadeiro estádio hooliganiano, emoção a flor da pele e até os cardíacos jogaram equipamentos para o alto e saíram para o pogo em “Interzone”.  Hook finalizou com “Love Will Tear Us Apart” e uma comoção coletiva, impossível não dedicar mais linhas para relatar tal show. 

Peter Hook

Para percorrer os próximos mil e quinhentos metros que tínhamos adiante o profundo desejo era possuir um patinete, skate ou qualquer coisa com rodas que nos facilitasse a vida, pois a fila para o fotografar o Queens Of The Stone Age só aumentava e não podíamos ficar de fora.  Quando Josh Home entrou em cena com “You Think I Ain’t Worth a Dollar, But I Feel Like a Millionaire” do aclamado e respeitado Songs For The Deaf a vibração das caixas de grave explodiam no peito e o corpo estremecia.  “My God is the Sun” deu o cartão de visita de ...Like a Clockwork que voltou a ser representado mais adiante com “I Sat by The Ocean” e a música título.  No mais um desfile de hits dos mais pesados é claro finalizando sem pena com “Go With The Flow” e “Song For The Deaf”, público entregue e disposto a curtir Arcade Fire para dar uma aliviada.

Arcade Fire

E os canadenses em questão não decepcionaram.  Anunciados e recebidos como uma das principais atrações do festival, com status de banda grande, destas que lotam ginásios com sinal de crescente apontando ao nível de estádios e todo um aparato de palco para um cenário perfeito.  Palco rebaixado com espelhos, canhões de confetes para o público, roupas chamativas e uma verdadeira versatilidade de seus integrantes música após música correndo na troca de posições e instrumentos, um verdadeiro show mainstream que acolhe tanto a um público mais exigente quanto adolescentes e amigos que dizem escutar algumas boas músicas e nestas podemos incluir “No Cars Go”, “The Suburbs”, “Reflektor” e “Neighborhood #3 (Power Out)” com momentos épicos e digno de celebrar o décimo aniversário da primeira apresentação da banda em Barcelona que foi há exatos 10 anos e no mesmo festival.   Um lindo show.

Sexta-Feira 30/05/2014

As previsões meteorológicas  para a jornada não eram das melhores e piorou aos primeiros acordes de “Three Times Down” do Drive By Truckers.  O resultado não poderia ser diferente, apenas um grupo de valentes e verdadeiros fãs da banda resistiram ao pé d´água que baixou no palco Ray Ban com direito a vento em direção ao palco.  Nem mesmo o bom rock clássico americano, recheado de guitarras e sotaque forte pode resistir, uma grande pena ainda mais vendo como Mike Cooley e Petterson Hood desciam a madeira em  “Lookout Mountain”. 

Drive By Truckers
The Wedding Present

























Para evitar imprevistos diante da prometida jornada nos refugiamos no Hiden Stage para conferir o The Wedding Present, está aí mais uma das injustiçadas bandas dos anos 80 e 90 que vem ganhando seu tardio reconhecimento e goza do status de banda de culto, nada mal para uma tarde chuvosa. 

O quarteto Loop não possui uma história muito diferente do citado acima.  Praticamente desconhecido do grande público e extinto em 1991 retomou as atividades ano passado e desembarcaram no Primavera Sound com a bagagem cheia de distorções.  O quarteto “derreteu” os tímpanos presentes.  Para tapar um pouco o buraco na agenda conferimos a nova sensação pop na Europa, o Haim.  Três meninas que apareceram com um par de vídeos e musiquinhas bem pop e algo de coreografia mas que ao vivo se transforma em uma descente banda de rock, com direito a riffs e caretas em cima do palco e cover do Fleetwod Mac.  Tipica banda que lança um hit pop para aparecer na mídia para então tirar o disfarce e mostrar quem realmente são.  O público, em grande maioria feminino, se esbaldou durante os pouco mais de 40 minutos de apresentação.  Antes de chegarmos ao Pixies ainda demos uma conferida no Slowdive onde tivemos novamente a sensação de boas melodias misturadas ao bocejo.

Pixies


O que não se repetiu, nem poderia, durante o show da banda liderada por Black Francis e compartida com Dave Lovering, Joey Santiago  e a mais nova integrante Paz Lenchantin que parece ter encaixado perfeitamente na banda, até o momento.  Abriram com “Bone Machine”, seguiram com “Wave of Mutilation”, flertaram com “Gauge Away” e acertaram a mão com “Bagboy” sem deixar de lado “Debaser” e “Here Comes Your Man” e finalizando com “Where is My Mind”.  Do disco novo “Indie City” e “Greens and Blues” mas sentimos falta de “Alec Eiffel” num setlist com mais de vinte canções. 

Já passava da meia noite quando o The National subiu ao palco Sony para apresentar ao público espanhol Trouble Will Find Me, a banda chama atenção pelo reconhecimento tardio, uma destas bandas que lançam discos e que passam desapercebida até que alguém aposta e nos da a sensação de terem acontecido da noite para o dia porém a humildade de seus integrantes diante de seu público é a tradução do auto-reconhecimento que o caminho percorrido foi duro.  Uma banda que há não mais de quatro anos tocava em festivais gratuitos e palcos menores da cidade hoje é ovacionada por uma grande e emocionada massa que canta “Don’t Swallow the Cap” e se despede com “Terrible Love” com direito a participação de Paul Maroon, guitarrista do The Walkmen. 

Kvler

E tinha chegado o momento de dar um basta no indie e conferir de perto a primeira apresentação do sexteto norueguês Kvelertak em Barcelona.  Uma mistura de rock, punk e death metal que resulta num som mais permeável.  O público se espremeu no gargarejo e não se arrependeu.  O vocalista Erlend Hjelvik ofereceu um espetáculo já de cara com um chapéu coruja, muitos ainda se perguntam se a coruja estava mesmo morta.  Não se deixem enganar pelo experimentalismo de “Apenbaring” ou o riff “Bruane Brenn”, por aqui a galera vibrou mesmo com “Ulvetid” e “Spring Fra Livet”, entre outras. 

Sábado 31/05/2014



O dia mais arrastado do festival.  O cansaço, as constantes ameaças de chuva, dia de grandes nomes e suas muitas exigências.  Ainda que este ano o evento tenha organizado um local de imprensa, o mesmo foi pouco visitado devido a demanda de shows ao redor.  Iniciamos com Islands mais para preencher uma lacuna do que por necessidade.  Erramos e lamentamos como um  bêbado de ressaca no dia seguinte prometendo não voltar a beber ao não incluir o show da australiana Courtney Barnett no roteiro e afogamos as mágoas no Superchunk para esperar o tempo passar até o baiano mais ilustre do festival subir ao palco.  O Superchunk abriu os trabalhos com “Slack Motherfucker” como de hábito e deu sequencia com “Trees of Barcelona” numa apresentação que faz jus ao respeito oferecido pelo público que vibrou muito com “Hyper Enough” já em final de set. 

Caetano Veloso

Daí veio o da Bahia, Caetano Veloso.  Se vamos escrever sobre Cae? Claro, porque não?!  Atitude!  Ou melhor, “A Bossa Nova é Foda”, assim iniciou o set nosso brasileiro mais ilustre no Primavera Sound deste ano e muito bem assessorado de sua banda Cê.  À suas costas o Mar Mediterrâneo, à sua cabeça a chuva que não caiu e só fez com que, olhando adiante as nuvens misturadas aos raios do sol que se punha naquele momento aumentasse ainda mais a plasticidade da imagem.  Aos pés, o público com boa quantidade de brasileiros porém repleto de diversas nacionalidades que se rendeu não só ao senhor Veloso mas também aos riffs que Pedro Sá arrancou de sua guitarra.   Num piscar de olhos o público passou de meia dúzia de gatos pingados a um mar de gente que não arredou pé, cantou, tentou cantar, dançou à sua maneira e viu nosso brasileiro dançar e abraçar em “Um Abraçaço”, correr e acenar ao dedicado público.  Tocou “Baby” para o público indie, cantou no idioma local em “Luna Llena” e “Escapulário” misturado a um funk melódico.   Ofereceu aos mais experientes “Eclipse Oculto” resgatando a essência dos anos 80 por alguns minutos e gastou o idioma do Tio Sam em “Nine Out of Ten”.   Memorável. 

Para não perder o hábito entramos no concorrido show do Buzzcocks e outra vez o ambiente era dominado por ingleses desordeiros, era como jogar em  casa.  Abrindo com “Boredom”, um breve boa noite e “Fast Cars”, “I Don’t Mind” e não precisamos dar muitas voltas para dizer que “Even Fallen in Love” foi reponsável por fechar a noite e encerrar as atividades no palco  Heineken Hidden Stage.

NIN
Mas o prato principal da noite ainda estava por servir.  Trent Reznor diante do Nine Inch Nails foi em definitivo, a banda mais esperada do festival além de ser  a presença mais “cantada” dos últimos 12 meses.  Desde que se anunciou uma turnê europeia e que as datas do Primavera Sound estavam vagas e o segredo da participação da banda deveria ser guardada em absoluto sigilo para um anuncio oficial.  Apesar de não contar com a unanimidade dos presentes um bom público se esbaldou diante do palco Sony.  Abrindo com “Me I’m Not”, luzes baixas e de cor azul, vestido com uma jaqueta de couro que não demorou para tirar e um tipo de saia por cima da calça slim fit, apresentou uma versão mais pesada de “Sanctified” até abrir o jogo em definitivo com “Copy of A” e demonstrar o porque é um dos artistas mais aclamados de sua geração e quem realmente mandava no festival no que podemos nos referir a palcos principais.  Som impecável e show impactante, tudo funcionou a perfeição e possivelmente muito bem calculado e programado por Reznor.  Foi um dos poucos shows em que o público não desviou atenção ou abandonou antes do tempo para ir a outro.  “Came Back Haunted”, “Gave Up” e “March of the Pigs” foram apenas alguns dos petardos lançados nos pés da galera ainda que músicas como “The Day the World Went Away” tenham marcado presença junto a maçaroca “Reptile”e claro que “Closer”, “The Hand that Feeds” e “Head Like a Hole” foram tocadas e o set fechou com “Hurt”. 

Foals

E quando pensávamos já haver assistido a tudo e a todos, eis que os britânicos do Foals ofereceram uma apresentação à altura.  Apesar das declarações de  que mereciam melhor atenção de festivais mundo afora e receberem muitas criticas por isso, temos que dar o braço a torcer e admitir que apesar do set conter menos de uma dezena de temas a intensidade foi quem ditou as regras com direito a um mergulho do vocalista Yannis com guitarra em punho ao público, sendo muito bem acolhido pelo mesmo.  “Total Live Forever”, “Prelude” que na verdade abriu a noite e  “My Number” marcaram o ritmo do público.  Curiosamente a música “Cassius”, responsável pela projeção da banda em 2008, ficou de fora. 

Enquanto nos dirigíamos à saída, tropeçamos com a apresentação de Cut Copy em ritmo de encerramento mas a estas alturas já não havia esqueleto para tanto, só mesmo se fosse de “adamantium”.

Para fechar o festival em modo relax, descemos até o Parc Ciutadella, em mais um show aberto ao público, num agradável sol das quatro da tarde e conferir mais um representante brasileiro, Boogarins que atraiu bom público e as meninas Dum Dum Girls apresentando seu mais recente trabalho Too True.

Dum Dum Girls

Uma vez mais participamos deste que vem sendo um dos grandes festivais europeus, brigando centímetro a centímetro com outros grandes eventos no velho continente.  Para nós, participar do Primavera Sound, é um grande orgulho.  A sensação, após 7 edições (pelo menos de quem os escreve) de ter evoluído junto a organização e de, ainda que em menores dimensões, ter contribuído com o mesmo.   O ano de 2015 promete e muito já que o Primavera Sound celebra sua festa de debutante.  A promessa e expectativa de um cartaz histórico (até o presente momento) é grande.

Até.

Arcade Fire

Arcade Fire

B.D.C.

B.D.C.

Drive by Truckers

Haim

Haim



Kvelertak

Loop

Móveis Coloniais de Acajú

Peter Hook

Pixies

Pixies

Queens of the Stone Age

Single Parents

Single Parents

Slowdive

Slowdive

Superchunk

Superchunk

The National

The Wedding Present

Warpaint

Warpaint

Warpaint

Caetano Veloso

Caetano Veloso

Foals

Foas

Nine Inch Nails

Nine Inch Nails