terça-feira, 16 de setembro de 2008

Novos Nomes - Gustavo Melo por Cavi Borges




CINE CLUBE OGLOBO
NOVOS NOMES POR CAVI BORGES.
GUSTAVO MELO.

Gustavo Melo é um cara realmente especial. Alem de coordenar o Núcleo de Cinema do Nós do Morro, é curta-metragista, roteirista, dramaturgo e pai do lindo João Pacífico.
Nascido em Brás de Pina, subúrbio do Rio e residente atual do Morro do Vidigal, esbanja talento e simplicidade. Um observador nato e um grande contador de histórias. Querendo ver seu primeiro curta "O JEITO BRASILEIRO DE SER PORTUGUÊS" ou seu último trabalho "PICOLÉ, PINTINHO E PIPA" procure no site do PORTA CURTAS. Abaixo uma entrevista para o blog CINECLUBE:

1 - Fale de como você ingressou no cinema
A região da Leopoldina, Zona Norte, onde fui criado, lá no Bairro de Brás de Pina, a cinco minutos da Cidade Alta (conjunto residenciais que serviu de locação para a fase dos anos 70, do filme "Cidade de Deus") não tinha muitos cinemas ou teatros. Mas tinha começado a febre das locadoras, (a partir da segunda metade da década de 80) e em 1991, 92, eu aluguei dois filmes que mudaram a minha cabeça completamente: "OS BONS COMPANHEIROS" (1990) do Martin Scorcese e "FAÇA A COISA CERTA" ( 1989), do Spike Lee e pude ver que as coisas que aconteciam no meu bairro eram parecidas, os problemas, os questionamentos de uma geração. A falta de perspectivas, falta de acesso...mas os dois filmes oferecem um arsenal cinematográfico de empolgar qualquer um.Mas eu posso assegurar que não foram só filmes, na verdade a Literatura foi o primeiro bombardeio de imagens, mas precisamente, um poema que se chama: "A Morte do Leiteiro", de Carlos Drummond de Andrade e o livro do Gabriel Garcia Marquez: "Crônica de uma Morte anunciada", e li estes escritos, antes mesmos dos dois filmes citados, ali por volta do Segundo Grau, e aí sim, posso dizer que foram duas pauladas que mudaram meu modo de ver o cotidiano.

2 - Como chegou ao grupo NÓS DO MORRO?
Eu queria fazer cinema, mas não conhecia ninguém dessa área, até que eu vi uma entrevista do Cacá Diegues na televisão e percebi que era um cara generoso, boa pessoa, simples. Então lhe escrevi uma carta (na época eu tinha dezoito anos) e expliquei que sabia como era difícil e complicado fazer cinema nacional, mas queria tentar fazer parte desse universo, eu consegui fazer com que a carta chegasse até ele, ele leu e na hora quis me ajudar, me indicando ao Nós do Morro, que lá iria iniciar um núcleo de cinema, com os cineastas Rosane Svartman e Vinicius Reis, dois cineastas que haviam conhecido o Guti ( fundador do grupo) e que também é ator, eles conheceram o Guti e os atores numa filmagem que trabalhavam como técnicos e propuseram que aqueles atores também poderiam se profissionalizar nessa área mais técnica dos bastidores do cinema e deu muito certo essa história toda, o núcleo de cinema está completando dez anos, dentro da existência de 22 anos desse grupo. Ter chegado ao Nós, mudou a minha vida para sempre, já me sinto completamente realizado.

3 - Fale de seus filmesToda essa história de fazer filmes vem da obsessão pela Literatura, do gostar de escrever histórias.Então o primeiro curta que fiz, foi o "O Jeito Brasileiro de Ser Português", foi um roteiro escrito a partir de um bar que existia perto de minha casa lá em Brás de Pina. O roteiro foi selecionado em Agosto de 1999 pela Riofilme, o prêmio era de apenas 30 mil reais. E foi o primeiro grande desafio para o Núcleo de cinema, que neste momento estava começando a estudar cinema fazia apenas dois anos... A equipe foi toda do Nós do Morro, representando assim uma vitória para todos, porque só estudávamos cinema havia um ano, e de repente sai um prêmio que era obrigatório o uso da Câmera de cinema, o uso da película coisa e tal, então foi um privilégio muito grande, muito rápido também, porque havíamos colocado na cabeça que queríamos "cinema puro" e ele veio. BUM! O Histórico fotógrafo Dib Lutfi fez a direção de fotografia, nós o conhecemos primeiro numa das aulas de cinema onde foi apresentado o documentário: "DIB", da Márcia Derraik e Simplício Neto, e ao terminar o documentário, foi uma unanimidade: "um dia se conseguirmos fazer cinema, vamos convidar o DIB para fazer a fotografia", e foi exatamente o que aconteceu, como um desses filmes de sessão da tarde que você faz um pedido e ele acontece. DIB LUTFI foi muito generoso, a câmera que ele usou foi uma Aaton 35mm emprestada com a maior gratidão por Walter Salles através da VideofilmesFoi realmente, para todos , 4 dias únicos e eternos, naquele Janeiro de 2000

4 - Como foi a viabilização e a produção desses filmes
Mas o Núcleo de cinema aqui do Nós realmente está sempre se superando e se reinventando a cada trabalho da galera. A Luciana Bezerra que fez o premiado "Mina de Fé", é a responsável pela estrutura que é montada para realizar milagres diante de tantas dificuldades e os baixo orçamentos que encaramos
Só voltei a filmar verdadeiramente cinco anos depois, com o roteiro do curta: "Picolé, Pintinho e Pipa". Esta história foi vivida e escrita pelo André Santinho, um dos mais antigos atores aqui do Nós e que sempre trabalhou assinando a Direção de arte de todos os filmes que a gente conseguiu fazer até hoje. Foi muita generosidade dele pensar em mim para realizar este projeto. E foi selecionado em 2005, no segundo Edital de curtas Infanto Juvenil da SAV, MINC.Falando da viabilização e da produção do fazer cinema, conseguir a câmera e pagar a luz, são preços que você se sente constrangido de saber. Agora no nosso último curta metragem: Picolé, Pintinho e Pipa, gastávamos seis mil por dia, numa comunidade, onde talvez quase ninguém ganhava aquilo por mês, então é muita responsabilidade fazer cinema em um país que não tem acesso financeiro para viver, imagina para fazer arte. Embora a arte, caminhe ao lado pão, acredito.

5 - E esse lado de roteirista/dramaturgo/escritor ?
Esse é o início de tudo e espero que seja o final de tudo também. Foi a descoberta da Literatura que começou essa história de fazer cinema, porque é muito difícil você falar que é Cineasta, a realidade é outra e pode ser bem cruel, então na verdade eu assinei como Diretor porque eu escrevi histórias que vivi e algumas foram premiadas. Tanto no teatro como no cinema.Mas a Literatura realmente é o sonho de uma vida, tenho isto como meta. Uma das maiores realizações foi a estréia da peça "Biografia (não-autorizada) de uma família". Porque escrever uma peça é algo enlouquecedor, o texto teatral é um gênero de séculos, é muita responsabilidade, requer muita experiência literária, terminá-la e levá-la aos palcos, é um dos meus maiores orgulhos.

6 - Fale um pouco dos Prêmios, viagens e coisas legais provenientes do cinema que você conquistou
Fazer "O Jeito Brasileiro de Ser Português" me fez ter uma sensação de orgulho; porque com filme matava vários coelhos com uma cajadada só. Primeiro em casa, onde eu passava a ser mais valorizado pelos pais: "é, ele está trabalhando naquilo que ele falou que ia trabalhar na vida" e depois pelo país: o primeiro festival que ele foi escolhido foi o Guarnicê do Maranhão, em 2001... e aí chegando lá, eu fui em Alcântara, um ilha próxima e um pequeno museu da família real estava abandonado, onde a família Sarney que dominava aquela região não estava nem aí para toda aquela riqueza cultural, aí pensei: "eu, de Brás de Pina, com o curta aqui, represento a minha história, faço mais pela cultura Brasileira do que os políticos".O audiovisual e estar no grupo Nós do Morro me possibilitou uma série de oportunidades, em 98 fizemos um intercâmbio com quatro países: Portugal, França; Alemanha e Colômbia. Foi a primeira vez que deixei o país, ir para Portugal fez a minha cabeça girar 360º e entender bastante o país e o porquê de nosso comportamento. Em 2002 fui a Miami, Montreal e Nova york, outro choque de um Latino americano. Agora em 2007 com o Picolé, fui a Espanha e na abertura do 18 Festival de cultura latino americana em Biarritz, sul da França. Acho que só através da cultura, eu poderia estar vivendo tudo isto.

7 - Ultimos projetos?(clipe do RAPPA, Distração de Ivan, Livro, trabalhos)
O curta "A Distração de Ivan" é este roteiro que vamos realizar juntos, a primeira grande parceria que vou fazer com o realizador deste BLOG CINECLUBE . Ele foi selecionado ano passado pela PETROBRAS CULTURAL. É uma história que fala do finalzinho da minha infância lá na Zona Norte, em Brás de Pina. A relação que eu tinha com a minha avó, meus amigos e o amor pelo bairro. Estou muito animado e orgulhoso, já temos um bom elenco, será o retorno aos cinemas da histórica atriz Myrian Pérsia. É sempre uma alegria poder filmar novamente. A literatura é algo diário, agora terminei um livro que caminha entre a poesia e o conto, se chama: "As primeiras páginas de meus livros favoritos", espero realmente que ele também possa "entrar em cartaz", já estou em contato com duas editoras. E o clip do Rappa foi o último milagre realizado pelo Núcleo de cinema do Grupo Nós do Morro. Foi uma correria, filmamos em apenas dois dias, mas ficou emocionante. Ele está concorrendo a melhor CLIPE do ano pelo prêmio da MTV, o VMB.O Clip ficou bem DOC e só foi possível por causa das infinitas parcerias, toda a galera do Nós, a montagem hipnótica do Italiano Alessio Slossel, um montador que chegou aqui no Nós há oito anos atrás e ficou no Grupo. E a parceria que tivemos pela primeira vez com a produtora El Desierto, que através da amizade com o Diretor de Arte, Pedro Rossi, convidamos dois coletivos de grafiteiros e interventores que é a galera do "Nação" e "El Ninho" : Gais, BIG, Mateu Velasco e Pedro Rossi. As artes dos cartazes foram interpretações deles para a musica "Monstro invisível". A banda deu total liberdade, confiou muito no nosso trabalho. A verdade é que O RAPPA já teve 3 clipes com elenco do "Nós do Morro" (Minha alma, O que sobrou do céu e O salto) agora deu essa oportunidade da direção e realização.

8 - Filmes e diretores que admira e que influenciam seu cinema
Eu sou um cara da geração 80. Então eu não vou esconder que fui um Blockbuster total, ingênuo mesmo, totalmente americanizado e muito pouco nacional.Ficava em filas imensas em Madureira, em Olaria, na Tijuca, no sol, para ver os Rambos; os Duros de Matar e os Van Damme, mas isso passou...só Jesus mesmo. A culpa não é só minha.Mas eu acho que tudo é influência é aprendizado, você não viaja apenas com Antonioni e Godard ou o Glauber...nós somos a geração que foi alfabetizada no audiovisual, na frente da tv. Então as minhas influências vão desde os desenhos de Speed Racer, depois Ultramen, Spectro Men, Sítio do Pica Pau amarelo, Os trapalhões do cinema e da Globo aos domingos, as sessões da tarde, depois veio o curta Brasil na Tve. Publicidades, vídeo clips, muita Tv Pirata, etc.Mas se tiver que apontar um único nome cinematográfico, eu sempre vou falar do Scorcese e o seu completo: "Os Bons Companheiros".

9 - Novos nomes ou filmes em curtas
Agora eu fico mais tranqüilo, porque eu vi chegar essa última retomada e os novos nomes estão aí e eu tenho muito orgulho de alguma maneira ser parte dessa geração. Admiro praticamente quase todo o cinema que vem do Nordeste: _Lírio Ferreira e Paulo Caldas com o inesperado "O Baile Perfumado", o Karim Ainouz, com o autoral "Madame Satã", o Cláudio Assis com a trilogia "amarela" dele. _"O Lavoura Arcaica" e todos os outros trabalhos que o Luiz Fernando Carvalho realizou, isto também é retomada._Os Documentários e seus documentaristas, a velha guarda e a nova: "Onde a coruja Dorme"; "Fala tu"; " A Margem da Imagem" e "Notícias de uma Guerra Particular"; " Santo Forte"; "Nós que aqui estamos por vós esperamos".Um filme que entrou imediatamente no meu top 10 e que tenho muito orgulho de ser o nosso cinema, embora o diretor seja Chileno é realmente "Proibido Proibir" do Jorge Duran, este para mim é o filme dos últimos dez anos de retomada. _Os Internacionais são muitos, agora eu to ligado neste turco alemão: o Fatih Akin, o cara do Old Boy e aquele "polvo vivo na cara", os americanos Paul Thomas Anderson e Todd Haynes, a Lucrecia Martel e os seus "Pântanos" e as "não-narrativas" do David Lynch e Wes Anderson._Falar dos curtas e de gente ( que já não é tão nova assim) é não esquecer jamais de todos do Kleber Mendonça com "A menina do Algodão"; de todos da Raça Filmes, "Unidos vencerás 1 e 2" e da Urca Filmes, Viva "Atrocidades Maravilhosas" e "Alô Tocayo". As animações do Allan Sieber e da chegada de "Vida Maria"( Primeiro filme do Márcio Ramos. O "Ilha das Flores" também será inesquecível para nossa geração. Um orgulho toda vida.Mas estou de olho muito em que está ousando, arriscando, fazendo doideiras ou coisas engraçadas, despretensiosas, como o pessoal do "Kino Copa"; "Mate com Angu" e o pessoal da "Tv Morrinho"; Os episódios do "Saci" e o "Banho de piscina" já entraram para a história. Só não vê quem não quer.
Entrevista feita por Cavi Borges de O Globo online na seção Cine Clube (Cultura).
Além desta, também foi publicada por Kamille Viola no Jornal O Dia uma outra matéria sobre Gustavo e Luciana no link http://odiadigital.terra.com.br/flip.php?idEdicao=1207&idCaderno=18&page2go=1&origem=4# SEÇÃO CINEMA DO PDF